terça-feira, 14 de março de 2017

A SAGA DA CONCEIÇÃO

                    A SAGA DA CONCEIÇÃO



             Desde quando era adolescente, lá no interior do Maranhão, que a jovem Conceição sonhava em morar numa megalópole como São Paulo, pois sempre ouvira falar bem dessa cidade, considerada o celeiro das oportunidades profissionais. Então quando aflorava esse desejo era sempre repreendida por sua mãe, veementemente. Quanto o seu pai, nem tanto. Prova é que, não demorou muito ela recebeu um convite de uma tia, irmã do seu pai, para conhecer Brasília. Não pensou duas vezes. Aceitou-o e teve permissão dos seus pais, pois perceberam que a promessa da pessoa que a convidou, dizendo que logo ela estaria de volta era de inteira confiança. E assim foi realizado o seu primeiro desejo.
             O pouco tempo que a jovem Conceição ficou na Capital Federal serviu como trampolim para que o seu grande objetivo, ou seja, conhecer São Paulo fosse concretizado muito em breve. Isso que ocorreu um ano após o referido passeio em companhia da sua tia residente no Planalto Central. O sonhado dia chegou repleto de expectativa e apreensão. Partiu então do Maranhão rumo à Capital Paulista só como se costuma dizer, com a cara e a coragem. Segundo um conterrâneo e vizinho seu, a irmã dele estava precisando de uma moça para exercer a função de babá. Guardou o número do telefone da futura patroa entrou no ônibus, tchau e bênção. A viagem de 48 horas do Maranhão – São Paulo foi como muitas outras que acontecem diariamente por esse Brasil a fora. Sem muitos percalços, diga-se de passagem, ainda bem. A não ser uma súbita indisposição estomacal de que foi vítima a Conceição. Por sinal, por causa desse incidente à sua revelia, o que fez a passageira em questão? Simplesmente teve que trocar a blusa que estava usando até então. Só que a cor da outra peça de roupa era totalmente diferente. Nada disso seria anormal se ela se lembrasse de que havia combinado com a pessoa que iria se encontrar com ela na rodoviária o modo como chegaria. Mas só se lembrou desse importante detalhe quando o ônibus chegou ao seu ponto final. Após algum tempo aguardando a sua futura patroa que iria buscá-la, lembrou-se então da  pequena mudança no seu visual. Só que, por ironia do destino, quem foi buscá-la foi o seu futuro patrão. Quer dizer, aí a confusão estava formada. Uma coisa fora combinada e estava acontecendo tudo ao contrário. Ninguém conseguia encontrar o que procurava. Chegando, quem sabe, até passar um ao lado do outro. O certo é que o fato só foi resolvido quando Conceição seguiu uma colega de viagem, com a sua respectiva patroa, ao se aproximar de um telefone público para ligar para sua conterrânea, sem querer ouviu a conversa do senhor que estava ao telefone celular e ouviu o seu nome ser pronunciado com todas as letras. Só então ela respirou aliviada. Parece que finalmente encontrara a pessoa que estava procurando. E realmente foi o que aconteceu. A pessoa que aquele senhor fora se encontrar na rodoviária era a dita cuja.

               A princípio, tudo era novidade para a recém-chegada nordestina. Ela só não ficava mais admirada porque ainda bem fizera aquele passeio à Brasília. Mas logo que ela adentrou no recinto do enorme apartamento onde iria morar e trabalhar já se decepcionou. Pois o serviço que a aguardava não fora o combinado lá na sua cidade natal, ou seja, não era nada do que lhe fora prometido. Pra começo de assunto não havia ali nenhuma criança para ela cuidar. O que lhe foi determinado a fazer a partir daquele momento foi todo o serviço doméstico: desde cozinhar, passar, limpar etc. E justamente ela, Conceição, que não entendia praticamente nada disso. Pelo contrário, até detestava algumas destas atividades domésticas. E tudo isso foi logo colocado em pratos limpos, literalmente, naquele primeiro dia. Todavia, não adiantou muito os seus argumentos de pouca habilidade para tais tarefas. Teve que se submeter aos serviços na medida do possível.
                 Como o seu patrão teve que viajar ao exterior a sua patroa e conterrânea colocou a Conceição numa situação muito delicada. Aliás, em duas. A primeira: teria que mentir sempre que o patrão telefonasse, alegando que ela, a dona da casa havia saído para resolver algo. Isto porque logo que ele viajou, ela – a patroa infiel, diga-se de passagem – também se mandou e possivelmente com algum amante. Então a nordestina, além de ficar sozinha naquele apartamento enorme tinha que cuidar de tudo aquilo e para completar recebeu outra incumbência também muito delicada e chata: durante a ausência dos seus patrões, uma empresa de mudanças iria embalar os móveis. Só havia um pequeno detalhe: na parte referente à adega, somente ela, a empregada, colocaria as mãos. Principalmente com relação aos litros de whisky importados e de estimação do patrão. Pois ele tinha muito ciúme do seu acervo etílico.
                Com a mudança de endereço a vida da Conceição também mudou. E pra melhor. Pois foi por esse tempo que ela conheceu um rapaz e logo após um namoro firme e sério o casamento foi consumado e logo uma nova família foi formada. Sendo assim, livre daquela vida de escrava, agora no seu pequeno domicílio, só ela e o marido aproveitaram bem à vida, antes de receber a visita da cegonha. Neste ínterim, ela fez logo o seu tão sonhado curso de cabeleireira. Logo que terminou, na medida do possível, montou um salão e hoje é uma respeitável e querida profissional no bairro onde reside localizado na zona leste de São Paulo.
                 Sendo assim, com essa saga da Conceição prova-se que jamais se deve desistir dos sonhos por mais simples que pareçam. Se complicados também sempre vale a pena lutar. Afinal, a cana para ser transformada em mel deverá sempre passar por um terrível aperto. E alguém discordará dessa verdade?



                                               João Bosco de Andrade Araújo

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