A SAGA DA CONCEIÇÃO
Desde quando era adolescente, lá
no interior do Maranhão, que a jovem Conceição sonhava em morar numa megalópole
como São Paulo, pois sempre ouvira falar bem dessa cidade, considerada o
celeiro das oportunidades profissionais. Então quando aflorava esse desejo era
sempre repreendida por sua mãe, veementemente. Quanto o seu pai, nem tanto.
Prova é que, não demorou muito ela recebeu um convite de uma tia, irmã do seu
pai, para conhecer Brasília. Não pensou duas vezes. Aceitou-o e teve permissão
dos seus pais, pois perceberam que a promessa da pessoa que a convidou, dizendo
que logo ela estaria de volta era de inteira confiança. E assim foi realizado o
seu primeiro desejo.
O pouco tempo que a jovem
Conceição ficou na Capital Federal serviu como trampolim para que o seu grande
objetivo, ou seja, conhecer São Paulo fosse concretizado muito em breve. Isso
que ocorreu um ano após o referido passeio em companhia da sua tia residente no
Planalto Central. O sonhado dia chegou repleto de expectativa e apreensão.
Partiu então do Maranhão rumo à Capital Paulista só como se costuma dizer, com
a cara e a coragem. Segundo um conterrâneo e vizinho seu, a irmã dele estava
precisando de uma moça para exercer a função de babá. Guardou o número do
telefone da futura patroa entrou no ônibus, tchau e bênção. A viagem de 48
horas do Maranhão – São Paulo foi como muitas outras que acontecem diariamente
por esse Brasil a fora. Sem muitos percalços, diga-se de passagem, ainda bem. A
não ser uma súbita indisposição estomacal de que foi vítima a Conceição. Por
sinal, por causa desse incidente à sua revelia, o que fez a passageira em
questão? Simplesmente teve que trocar a blusa que estava usando até então. Só
que a cor da outra peça de roupa era totalmente diferente. Nada disso seria
anormal se ela se lembrasse de que havia combinado com a pessoa que iria se
encontrar com ela na rodoviária o modo como chegaria. Mas só se lembrou desse
importante detalhe quando o ônibus chegou ao seu ponto final. Após algum tempo
aguardando a sua futura patroa que iria buscá-la, lembrou-se então da pequena mudança no seu visual. Só que, por
ironia do destino, quem foi buscá-la foi o seu futuro patrão. Quer dizer, aí a
confusão estava formada. Uma coisa fora combinada e estava acontecendo tudo ao
contrário. Ninguém conseguia encontrar o que procurava. Chegando, quem sabe,
até passar um ao lado do outro. O certo é que o fato só foi resolvido quando
Conceição seguiu uma colega de viagem, com a sua respectiva patroa, ao se
aproximar de um telefone público para ligar para sua conterrânea, sem querer
ouviu a conversa do senhor que estava ao telefone celular e ouviu o seu nome
ser pronunciado com todas as letras. Só então ela respirou aliviada. Parece que
finalmente encontrara a pessoa que estava procurando. E realmente foi o que
aconteceu. A pessoa que aquele senhor fora se encontrar na rodoviária era a
dita cuja.
A princípio, tudo era novidade
para a recém-chegada nordestina. Ela só não ficava mais admirada porque ainda
bem fizera aquele passeio à Brasília. Mas logo que ela adentrou no recinto do
enorme apartamento onde iria morar e trabalhar já se decepcionou. Pois o
serviço que a aguardava não fora o combinado lá na sua cidade natal, ou seja,
não era nada do que lhe fora prometido. Pra começo de assunto não havia ali
nenhuma criança para ela cuidar. O que lhe foi determinado a fazer a partir
daquele momento foi todo o serviço doméstico: desde cozinhar, passar, limpar
etc. E justamente ela, Conceição, que não entendia praticamente nada disso.
Pelo contrário, até detestava algumas destas atividades domésticas. E tudo isso
foi logo colocado em pratos limpos, literalmente, naquele primeiro dia.
Todavia, não adiantou muito os seus argumentos de pouca habilidade para tais
tarefas. Teve que se submeter aos serviços na medida do possível.
Como o seu patrão teve que
viajar ao exterior a sua patroa e conterrânea colocou a Conceição numa situação
muito delicada. Aliás, em duas. A primeira: teria que mentir sempre que o
patrão telefonasse, alegando que ela, a dona da casa havia saído para resolver
algo. Isto porque logo que ele viajou, ela – a patroa infiel, diga-se de
passagem – também se mandou e possivelmente com algum amante. Então a nordestina,
além de ficar sozinha naquele apartamento enorme tinha que cuidar de tudo
aquilo e para completar recebeu outra incumbência também muito delicada e
chata: durante a ausência dos seus patrões, uma empresa de mudanças iria
embalar os móveis. Só havia um pequeno detalhe: na parte referente à adega,
somente ela, a empregada, colocaria as mãos. Principalmente com relação aos litros
de whisky importados e de estimação do patrão. Pois ele tinha muito ciúme do
seu acervo etílico.
Com a mudança de endereço a
vida da Conceição também mudou. E pra melhor. Pois foi por esse tempo que ela
conheceu um rapaz e logo após um namoro firme e sério o casamento foi consumado
e logo uma nova família foi formada. Sendo assim, livre daquela vida de
escrava, agora no seu pequeno domicílio, só ela e o marido aproveitaram bem à
vida, antes de receber a visita da cegonha. Neste ínterim, ela fez logo o seu
tão sonhado curso de cabeleireira. Logo que terminou, na medida do possível,
montou um salão e hoje é uma respeitável e querida profissional no bairro onde
reside localizado na zona leste de São Paulo.
Sendo assim, com essa saga da
Conceição prova-se que jamais se deve desistir dos sonhos por mais simples que
pareçam. Se complicados também sempre vale a pena lutar. Afinal, a cana para
ser transformada em mel deverá sempre passar por um terrível aperto. E alguém
discordará dessa verdade?
João Bosco de Andrade Araújo
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