quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O SACRISTÃO DESCONFIADO

Na sociedade e no mundo de violência em que vivemos, onde ninguém é capaz de trazer escrito na fronte o seu caráter, a sua personalidade, tudo pode acontecer, inclusive até ser julgada por uma pessoa “suspeita”, isto é, de má índole, para não dizer, um meliante, ladrão ou algo parecido. Sim, estou me referindo a um fato desagradável e inusitado que aconteceu comigo, simplesmente por frequentar o interior de uma igreja fora do horário das missas só para fazer algumas orações e em seguida, aproveitar alguns minutos do meu intervalo de descanso do meu trabalho para ler um bom livro. Explico melhor: há alguns anos, ao trabalhar no centro da cidade de São Paulo, para evitar andar à toa durante o meu intervalo de refeição, tomei a iniciativa de passar, diariamente, alguns minutos lendo algo numa determinada igreja.
À proporção que que os dias foram se passando percebi que o rapaz, ou seja, o sacristão daquele templo religioso começou a me encarar de maneira estranha, ou seja, fazendo uma marcação sobre minha pessoa, com subterfúgios de arrumar um banco próximo ou limpar mais algum coisa, mas sempre próximo. Aquela sua atitude estava me deixando constrangido, atrapalhando, por conseguinte, a minha concentração. Até que certo dia, ele criou coragem e petulância e veio falar comigo:
-“Por que você vem todo o dia aqui e sempre no mesmo horário?”
- Qual é o problema, rapaz? – respondi – Estou atrapalhando alguma coisa, por acaso?
-“Não. Mas a gente começa a suspeitar...”
- Suspeitar de quê, posso saber?
-“Sabe, como é, ...”
-Não sei como é nada. O negócio é o seguinte: há algum padre aqui nesta igreja?
-“Tem. Ele está lá na sacristia!”
Achando aquilo uma grande aberração, um disparate pedi que me levasse até lá. Após me apresentar ao sacerdote que ali estava, expliquei logo que eu era um ex-seminarista e frequentava aquela igreja simplesmente para fazer as minhas orações e depois ler alguns páginas de um bom livro. Haveria algum pecado naquela minha atitude? O padre foi até educado e compreensivo e após folhear o livro que m’o pediu para analisar, pediu-me parcas desculpas, mas só que não tirou nenhum vírgula da suspeita daquele funcionário daquele templo religioso, que por sinal, num lugar estratégico nos olhava de soslaio, fingindo limpar uma imagem sacra. Inclusive, aproveitou a ocasião para defendê-lo, explicando que como aquela igreja fora assaltada há poucos meses, tendo o desconfiado sacristão sido abordado e ameaçado pelos ladrões, com toda a razão, segundo o pároco, ficou traumatizado...E para finalizar aquela nossa conversa até brincou:
-Olha, meu jovem, ele anda tão desconfiado que se por acaso, Jesus adentrasse aqui de repente com os seus 12 apóstolos ele seria capaz de chamar a polícia, pensando o pior possível, coitado....
Certo ou errado, só que a partir daquele dia, simplesmente procurei outro refúgio para passar aquela hora de descanso. Mesmo sem ler algum bom livro, mas pelo menos eu não estaria sendo observado, julgado como um “suspeito”, um larápio, um meliante, sei lá!....
João Bosco de Andrade Araújo

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