segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O MORTO-VIVO

Tudo começou por causa de um mal-entendido ao pagar uma prestação atrasada. O funcionário puxa-saco, metido o certinho de um renomado magazine desta megalópole, equivocadamente exigiu o pagamento de duas prestações pendentes, simultaneamente. Tudo bem que na hora de comprar o cliente assina um contrato de compra onde assume um compromisso para quitar a dívida em várias prestações. E aí é que são elas. Quase sempre as primeiras são pagas pontualmente. Já as seguintes começam a sofrer pequenos atrasos. Os pagamentos são postergados muitas vezes à revelia do cliente, mas tudo bem. Mas cedo ou mais tarde ele comparece para dar satisfações e efetuar algum acordo de pagamento.
Este tipo de procedimento acontece com a maior das pessoas quando fazem compras pelo crediário. E eu estava fadado a agir assim se aquele funcionário não tivesse se equivocado, o que me obrigou a tomar uma atitude inusitada. Afinal, ser caloteiro é algo que não condiz com o meu temperamento, o meu caráter. Dever, praticamente quase todo mundo deve. O egrégio Millor Fernandes tem toda a razão quando escreveu: “QUEM NÃO DEVE, NÃO TEM...” E, além disso, costuma-se até ser sarcástico dizendo, por exemplo: Mais deve o Brasil e, no entanto, vive sempre “deitado eternamente em berço esplêndido!”.
Então, enquanto eu recebia cartas de cobranças só na minha residência, simplesmente, desconsiderava-as. Deixava, como se costuma dizer, o barco correr. Mas quando o setor de cobrança resolveu enviá-las ao meu serviço, aí a situação ficou complicada. Resolvi chutar o pau da barraca, isto é, apelei. Pois até o meu supervisou passou a me chamar a atenção com relação às insistentes cartas de cobranças. Então tomei uma drástica e premeditada decisão: como trabalhava nos Correios, portando, conhecendo todos os trâmites das correspondências, peguei algumas cartas intactas endereçadas à minha residência e ao meu serviço, usei o carimbo oficial dos carteiros AO REMETENTE e no campo destino para mencionar o motivo da devolução, simplesmente marquei no item: “faleceu”. Quer dizer, peguei pesado comigo mesmo, isto é, “matando-me”. E pelo visto aquele fúnebre artifício surtiu efeito. Pois a partir da semana seguinte, as cartas de cobranças endereçadas à minha pessoa, escafederam-se.
Dez anos após o ocorrido, tomei outra decisão corajosa e muito ousada. Aproveitando uma promoção de um videocassete naquela mesma loja que motivou tanta celeuma, resolvi abrir um novo crediário. Apresentei todos os documentos solicitados e finalmente chegou o momento da checagem do meu crédito. Neste ínterim, cheguei até imaginar uma possível cara de espanto da funcionária, caso constatasse que aquele cliente havia morrido há dez anos!! Seria um paradoxo total ao percebeu que não se tratava de um caso de homônimo. Porém, naquela ocasião não aconteceu nenhuma cena fantasmagórica. Pois o meu crédito, além de ser aprovado, ainda ganhei até um cartão, além do imprescindível carnê para os futuros pagamentos. Agora, se eu disser que antes mesmo de finalizá-lo, aquela loja foi à falência, pouca gente acredita....

João Bosco de Andrade Araújo

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