sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A SAGA DE UMA ANEMIA CRÔNICA -

GRITOS ALUCINANTES

De vez em quando, durante este primeiro dia na enfermaria, ouvia-se alguém gritando naquele mesmo andar do Hospital Vasco da Gama. E era algum paciente, sem dúvida. Só que, logo deu para perceber que não se tratavam de gritos provocados por alguma dor terrível. Pois eram sem lógica alguma, inclusive, intercalados por alguma voz de enfermeiro ou enfermeiras, tentando acalmar aquele paciente misterioso. De repente, o silêncio voltava a reinar em todo aquele andar e o ambiente parecia ser mesmo de um hospital.
Quando a noite chegou, aqueles gritos sem nexos voltaram, paulatinamente. E na primeira oportunidade que eu tive, perguntei a uma enfermeira qual o motivo daquele alarido. Ao que ela logo me respondeu, de uma maneira bem tranquila:
-"É bom ir se acostumando, seu João. Pois já faz muito tempo que este paciente barulhente está internado aqui. Inclusive, nós que trabalhamos, por incrível que pareça, até já acostumamos com os gritos inoportunos do "comandante".
-Comandante? Como assim? Mas, afinal, qual é o problema dele? Perguntei.
- Olha, o que sabemos é que ele é um policial aposentado e apresente, como se pode perceber, problemas esquizofrênicos. Tem raríssimos momentos de calma e normalidade aparentes. Podemos compará-lo, às vezes, com aquela pessoa enbriagada que começa a falar coisas sem lógicas, chegando inclusive a chorar. Só que neste caso, fica só nisto mesmo, grita, chora, mas não apela para a violência de forma alguma. Tanto é que ele fica solto no quarto. Apenas vigiado, para não dizer, acompanhado, ininterruptamente. E tem mais, quando ele extrapola com seus gritos sem nexos e usamos os mesmos meios, ou seja, gritamos também com ele, imediatamente, cala e acata as nossas determinações como se transformasse numa criança bem obediente.
-E esse "comandante" não recebe visitas?
-Duas vezes por semana, a filha dele vem aqui e fica um pouco com ele. E nesta oportunidade, ninguém diz que ele tem algum problema. Parece mesmo uma pessoa normal. Chegando, inclusive, até a descer e passear com ela lá pelo jardim do hospital. Depois que ela vai embora, quando menso se espera, começa tudo novamente. Mas, o importante é que ele não quebra nada, pois não é violento. Só inconformado e desabafa com seus gritos e palavras soltas, sem nexos.
Então, após tomar conhecimento do que estava acontecendo com aquele paciente, logo que eu ouvia os seus gritos, começava a imaginar como seria aquele "comandante" pessoalmente! Teria o semblante de uma pessoa brava, carrancuda. Já era muito idoso? Gordo ou magro? Careca? Banguela? Enfim, como jamais o tinha visto, só o retratava através do meu pensamento e passei a ficar muito curioso quanto a possibilidade de vê-lo, nem qua fosse uma vez apenas. Só para matar a minha curiosidade boba. E eis que no terceiro dia, matei-a, ou seja, saciei-a. Durante o período da tarde, um enfermeiro e uma mulher que estava visitando o "comandante" passaram com ele, lentamente, na frente da enfermaria onde eu estava e então vi o semblante daquele paciente que gritava a qualquer hora do dia ou da noite.
-"Vamos lá, "comandante" - vamos ver a mulherada lá embaixo! - brincava o enfermeiro no momento em que iam pegar o elevador.
Pronto. Conheci aquele doente misterioso. Mas, pelo rosto sério e limpo, se ele estivesse andando na rua, ninguém diria que ele sofria de uma esquizofrenia incurável. Pois pareceia mesmo uma pessoa normal. Quando eu receber alta e contar aos parentes e colegas que eu estava internado em um hospital, cujo quarto era contíguo ao de um paciente que falava sozinho e gritava sem sentir dor, o que eles iriam pensar? Que se tratava de uma "pegadinha", ou seja, de uma brincadeira de mau gosto.
Resumindo, nesta semana de internação, onde passei por dois hospitais, quatro fatos atípicos aconteceram, os quais faço questão de mencionar:
1 - Uma enfermeira tenta me ajudar, no momento de fazer xixi no "papagaio" (objeto onde o paciente faz essa necessidade fisiológica) e, percebendo a minha falta de jeito para usar o tal objeto, displiscentemente, fala algo que tem duplo sentido, por exemplo, assim: "Vamos fazer o seguinte: eu abro e o senhor põe dentro, entendeu?" Agora eu explico: Como eu estava com um braço imobilizado por causa da transfusão de sangue, a enfermeira percebeu a minha dificuldade para fazer xixi sozinho e então se prontificou me ajudar, pelo menos, abrindo o zíper da minha calça e falando para eu fazer o xixi dentro daquele recipiente estreito e esquisito.
2 - Um enfermeiro ignorante quis me obrigar a ficar deitado na maça, quando na realidade eu não tinha condições físicas para tal. Foi um momento tenso, que inclusive se transformou em uma pequena discussão, chamando a atenção da médica responsável pelo setor, a qual pediu ao dito cujo que a partir daquele momento, ele estava dispensado do plantão daquele dia. O que aconteceu depois, só Deus sabe! Eu sei que, talvez por causa desta pequena celeuma, fui transferido para outro hospital. A minha internação ali foi indeferida, alegando problemas de convênio médico...Me engana, que eu gosto!
3 - Médico e enfermeira jovens aproveitam alguns momentos de intimidade, numa sala desocupada de um pronto socorro de um hospital. Quando são acionados para atender um paciente (neste caso, eu) primeiro, sai o médico, distraidamente, arrumando o zíper da calça, logo em seguida, a enfermeira, tentando arrumar a blusa e os cabelos. Parecia que acabaram de acordar. Só que estavam num hospital! Quer mais?
4 - E finalmente, um esquizofrênico como vizinho de enfermaria no hospital onde eu estava internado. Cujos gritos e balbúrdia atrapalhavam qualquer sono por mais pesado que fosse!
Quer dizer, se continuasse acontecendo fatos atípicos assim voltaria para a minha casa com muitas histórias estranhas para contar. E sendo assim, é por isso que se diz: "De longe, todas as montanhas são azuis". Quem está de fora de um ambiente hospitalar, nunca vai imaginara o que pode acontecer ali dentro, além das injeções, curativos, cirurgias e vários exames.

Próxima postagem: Outros colegas de enfermaria...

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